O Outro lado da História...
As Mulheres Republicanas e a Educação
Por Natividade Monteiro
Foi sobretudo a partir de 1906 que as mulheres convertidas aos ideais da República ganharam cada vez mais visibilidade na imprensa conotada com o Partido Republicano e outros sectores liberais e democráticos, escrevendo, fazendo conferências e dedicando-se ao ensino livre. Por ensino livre entendia-se toda a rede de colégios particulares, escolas dos Centros Republicanos e outras que defendiam um ensino liberal, moderno e secularizado, livre da influência religiosa e clerical.O ideal educativo republicano visava instruir, educar e formar cidadãos úteis à família, à sociedade e à Pátria. À escola competia educar e guiar os alunos para a acção, para a realização de ideias e apetrechá-los com conhecimentos e técnicas para se inserirem no mundo moderno em constante progresso e mudança. Competia ainda desenvolver-lhes a vontade de serem pessoas resolutas, seguras de si próprias e cidadãos conscientes, activos e responsáveis. Os professores eram considerados os "árbitros dos destinos morais da Pátria" e os "guias supremos da consciência dos povos".À data da implantação da República, 5 de Outubro de 1910, as mulheres constituíam a maioria do professorado, não só dos Centros Escolares Republicanos, mas também das escolas oficiais, pois desde a reforma educativa de 1878 que se vinha assistindo à feminização do ensino primário. Assim, é relevante a influência que as mulheres vão exercer sobre as novas gerações, através da instrução e educação ministradas nas escolas liberais, sob a orientação de um modelo pedagógico que privilegiava os ideais da liberdade, da igualdade perante a lei, da justiça e da democracia. Num país com mais de 70% de analfabetos, os Centros Escolares Republicanos representavam em 1910 uma fatia significativa da oferta educativa dirigida aos mais desfavorecidos. Nesta data, eram cerca de cento e sessenta e cinco e contavam com mais de quatro mil alunos, sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto. A este universo escolar de cariz republicano, juntavam-se a Associação das Escolas Liberais, a Liga Nacional de Instrução, o Grémio da Instrução Popular, o Grémio da Educação Racional, a Academia dos Estudos Livres, a Universidade Livre e a Escola Oficina nº. 1, novidade e modelo pedagógico das escolas primárias entretanto criadas e que sobreviveu até aos nossos dias.Foi nos Centros Escolares Republicanos que se estabeleceu e fortaleceu o contacto, o companheirismo e a cumplicidade entre os chefes do Partido Republicano e as mulheres professoras, escritoras, médicas, intelectuais, empresárias e domésticas que aderiram aos ideais da República. Muitas delas eram mães, filhas, esposas ou irmãs de republicanos. Nos Centros, elas participaram nas reuniões, debates e conspirações do Partido Republicano contra a monarquia. Aí se delineava a propaganda e a acção a desenvolver nos jornais, nas conferências e nos comícios, tornando-se algumas delas brilhantes oradoras,
como por exemplo Ana de Castro Osório, Maria Veleda, Virgínia Quaresma, Maria O’Neil, Maria Clara Correia Alves, Lucinda Tavares, entre outras. Muitas das professoras republicanas não se limitaram a aplicar o modelo educativo da República, antes o desenvolveram com ideias e práticas inovadoras. Maria Veleda e outras pedagogas, inspiradas nas teorias educativas de Francisco Ferrer y Guardia, defenderam uma educação integral, laica e racional, centrada no desenvolvimento harmonioso das crianças e jovens, valorizando igualmente as vertentes da instrução teórica e prática, o desporto, o contacto com a natureza e a formação ética e cívica. Preconizaram também a uniformização de currículos escolares para ambos os sexos e a coeducação, pois só o conhecimento mútuo e o convívio, na escola e fora dela, apagariam os preconceitos sociais que sustentavam as desigualdades entre homens e mulheres.Sob a influência de Fröbel e Maria de Montessori, valorizaram a educação infantil pré-primária e criaram a Associação Fundadora das Escolas Maternais, em 1907. Em 1909, fundaram a Obra Maternal da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, para recolher, educar e proteger as crianças abandonadas, pedintes ou em perigo moral que erravam pelas ruas de Lisboa. Também no âmbito da Liga, criaram cursos gratuitos da instrução primária, de francês, contabilidade, música e trabalhos manuais e promoveram conferências sobre economia doméstica, História, Geografia, Ciências, Educação Cívica e Política. Com estas iniciativas pretendiam remediar a injusta situação das mulheres que não tiveram acesso à instrução ou lhes foi vedada uma educação equivalente à dos homens, proporcionando-lhes os saberes indispensáveis à sua independência económica e ao exercício efectivo da cidadania.
Natividade Monteiro
Natividade Monteiro
Natividade Monteiro é professora de História no Instituto Militar dos Pupilos do Exército e membro dos órgãos sociais da APH. Investigadora do Projecto “Biografias de Mulheres. Século XX”, do CEMRI, Universidade Aberta, e do Projecto “Dicionário no Feminino”, Faces de Eva-Estudos sobre a Mulher, Universidade Nova de Lisboa, ambos financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.